Sou Um Imbecil Em Desconstrução

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Genecy Souza


Salvador, 14 de Maio de 2022. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, no Congresso Brasileiro de Magistrados, disse com todas as letras:

“A internet deu voz aos imbecis. Hoje, todo mundo é especialista. A pessoa bota terno, gravata, coloca painel falso de livros atrás e começa a falar desde a guerra da Ucrânia até o preço da gasolina, passando pelo Judiciário e acaba sempre atacando o Supremo”

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/justica/a-internet-deu-voz-aos-imbecis-critica-alexandre-de-moraes-sobre-ataques-virtuais/

É isso aí, Ministro! O imbecil que escreve estas mal traçadas linhas concorda plenamente. E não é para menos. Aliás, este imbecil é metido a especialista. Mesmo sem nunca ter botado terno e gravata, falo sobre quase tudo que me interessa, do preço da gasolina, da guerra da Ucrânia, passando pelas traquinagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Amazônia, da decadência da (ainda) todo-poderosa Rede Globo e, claro, sempre tendo no meu radar o Supremo Tribunal Federal. Detalhe: minha estante de livros é pequena, mas real. E não tenho curso superior, frise-se. Não é exigido diploma de curso superior para ser um imbecil.

Também falo sobre outras coisas, com ou sem profundidade, depende do tema. Jogo conversa fora. Mas só falo com quem me ouve ou me lê. Como não tenho poder sobre porra nenhuma, não persigo ninguém, nem mesmo aqueles que discordam de mim.

É assim que é.

Classifico os imbecis em três grupos distintos: os esclarecidos, os acomodados e os ‘em desconstrução’.

— Os esclarecidos são os que aparecem mais, seja pelos cargos públicos que ocupam, pela riqueza que possuem, pela bagagem intelectual que lhes dá grande visibilidade nacional e internacional, seja pelos que pouco ou nada possuem essas características, mas que, devido a milagres que só a internet (entenda-se: redes sociais) se tornam fenômenos midiáticos poderosos;

— Os acomodados são aqueles acostumados a seguir a manada de esclarecidos, pouco importando se à frente do caminho exista um penhasco. Eles pertencem a qualquer classe social. Por acharem mais cômodo, são passíveis por natureza, e tem medo de expressar suas opiniões para não serem expostos à censura e ao patrulhamento dos amigos. Entretanto, os que mais sofrem são aqueles que, por viverem à beira ou dentro da penúria financeira, sofrem por não poderem acompanhar o desempenho patrimonial e financeiro dos esclarecidos. Na verdade, até tentam imitar uma coisa ou outra deles, e procuram sempre as melhores poses nas fotos que são publicadas no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, e demais plataformas, só para mostrar o que não são ou não possuem. Há nesse grupo aqueles que se valem de falsas paredes de livros, como disse o Ministro – o que vale é a aparência, o resto vem depois. A maior vantagem dos acomodados é a quantidade – Sim. São milhões; e,

— Os ‘em desconstrução’ são o grupo menos numeroso. Tal qual os acomodados, pertencem a todas as classes socioeconômicas. Sempre foram imbecis desde que se entendem por gente, e sempre apanharam das circunstâncias da vida, da mesma forma que os acomodados. O problema desse grupo está na capacidade de parar para pensar, de olhar para trás, de fazer comparações e de chegar a conclusões. O grupo foi perdendo a capacidade de aceitar tudo bovinamente e aguentar calado, como se estivesse escrito nas estrelas.

O ‘marco zero’ da desconstrução da minha imbecilidade foi o dia 28 de Fevereiro de 1986, quando, o presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado. De posse de uma varinha de condão, o maranhense decretou o fim da inflação. Num passe de mágica, alimentos, combustíveis, produtos de limpeza, serviços e um sem número de itens tiveram os preços tabelados pelo governo. Para completar, os salários foram reajustados. Foi uma festa. Nunca foi tão fácil acabar com a inflação, a pior herança do regime militar recém saído do poder. O presidente Sarney era aplaudido por onde passava e, por tabela, a equipe econômica que tramou o milagre. Era um novo mundo que chegava. Supermercados que burlavam o tabelamento eram hostilizados, denunciados e até fechados; gerentes eram presos. Os Fiscais do Sarney, idiotas úteis convocados para fazer valer a ordem do presidente eram onipresentes. Admito: fui um idiota útil.

O Plano Cruzado foi uma festa que durou pouco. A euforia popular foi derrotada pela realidade. Itens de primeira necessidade ficaram difíceis de encontrar, e só podiam ser adquiridos com ágio; o mercado negro passou a ser uma realidade. A inflação voltou. Na verdade, ela nunca foi embora.

A ressaca do Plano Cruzado me deixou ressabiado, mas, apesar disso, eu não deixei de ser um imbecil. O processo de desconstrução da minha imbecilidade ainda iria encontrar uma série de outros planos econômicos e uma série de decepções. A cada novo plano fui aprendendo a desconfiar, a esperar para ver como a coisa ia ficar.

Os imbecis em desconstrução são um problema para os imbecis esclarecidos e os acomodados, pelo simples fato de que estão decididos, não apenas a deixar de ser imbecis, mas para combater aqueles que estão abrigados nos dois outros grupos. Esses rebeldes estão aprendendo a dizer “não” àquilo que consideram errado, desonesto, enganador. Os imbecis em desconstrução estão – ora vejam! – questionando o Poder. E isso é muito grave, pois os imbecis em desconstrução estão ganhando voz – e estão falando cada vez mais alto. Talvez esteja aí o motivo de o Ministro Xandão estar tão incomodado. Não apenas ele, mas seus colegas togados, deslumbrados com o excesso de poder que exercem a torto e a direito.

Aprendi mais sobre política nos últimos cinco anos do que em toda minha vida. Certamente não sou o único. Sou um imbecil em desconstrução isolado por não ser chegado a grupos. Não sou do tipo que gosta de pertencer a algo. Além do mais, possuo limitações de ordem familiar que não me permitem ir mais além. Por outro lado, acho ótimo quando os imbecis em desconstrução se organizam em grupos. Para desgraça geral de imbecis esclarecidos e acomodados, o grosso dos em desconstrução estão cada vez mais fortalecendo aquilo que se convencionou chamar de direita, e tudo de desabonador a ela relacionado. A direita é o mal a ser combatido.

A direita saiu do armário, para onde ela jamais deveria ter ido. O fim do regime militar empurrou a direita para a marginalidade, deixando um vasto campo para a esquerda atuar e dar as cartas na vida nacional. Noves fora alguns avanços, o resultado é o desastre que agora conhecemos. O Brasil perdeu feio, graças a horda de imbecis que se deixaram dominar por imbecis.

Daquele 28 de Fevereiro de 1986 para cá muita coisa aconteceu, entre elas, o surgimento da internet e das redes sociais. Os três grupos de imbecis acima citados ganharam voz, tudo por causa da velocidade da informação. Da mesma forma que o papel, a internet aceita tudo. Vemos artistas veteranos bajulando um ex-presidente da República que esteve preso por corrupção; supremos ministros mudando regras da Constituição para beneficiar o tal ex-presidente, que pretende reocupar o cargo; influenciadores digitais ditando regras pra lá de discutíveis; jornalistas renomados fazendo vista grossa para a censura travestida de outro nome; pseudocantora tatuando o ânus; empresários e políticos corruptos sendo libertados da prisão; jornalistas sendo presos acusados da prática de ‘atos antidemocráticos’; grandes empresas se submetendo às vontades de pequenos grupos de pressão; professores praticando doutrinação ideológica a seus alunos… A lista de iniquidades é extensa. Para os imbecis esclarecidos e os acomodados, tudo isso é válido, pois, A Causa, seja a que título for, é o mais importante, pouco importando as consequências.

Em sua fala, o ministro Xandão de Moraes disse o certo. O que não se sabe é se ele tem espelho em casa.

24/05/2022

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.

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