Nelson Rodrigues Era Um “Anarquista Conservador”?

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Barata Cichetto


Antes de tudo uma pergunta: O que conserva o Anarquista Conservador? Respondo eu, o Arquivista Revelador.

Eu não existiria sem minhas repetições.”

A frase acima é a que é usada na abertura do livro “O Reacionário – Memórias e Confissões“, de Nelson Rodrigues. Falar sobre Nelson não é fácil. Ou melhor, é fácil sim. Ao menos para aqueles que, com este escriba, que viveram e ficaram adultos nos anos 1970. Difícil é falar deste escritor, que já adianto, na minha modesta — ou nem tanto — opinião, é um dos maiores escritores nascidos ou morridos neste Brasil não tão varonil, de todos os tempos. Difícil, quase impossível eu diria, seria falar dele com os olhos dos dias correntes, quando serpentes se enrolam nas gargantas dos pensadores livres, como Nelson sempre foi, e o dragão de 11 cabeças, sendo uma careca, cospe fogo e incendeia o país inteiro, transformando, como disse Cazuza, num puteiro.

“Sou um reacionário. Reacionário é aquele que quer liberdade, quer o pão e se recusa a admitir que o Estado tome conta de seus filhos, faça eles de palhaços. Pela primeira vez os palhaços tomam conta da história, desde que os homens comiam paralelepípedos”. Assim, Nelson Rodrigues assume, com toda sua consagrada ironia, o epíteto que lhe reservaram para o final da vida. Apoiador declarado da ditadura militar brasileira e anticomunista ferrenho, o “reacionário” Nelson provocava e provoca arrepios na esquerda. E não apenas nela, mas nas feminazis — certo, a maioria delas é esquerdóide —, que o acusam de todos os “istas” possíveis e imagináveis, excetuando-se, claro “comunista”, “socialista” e com mais exceção ainda, “feminista”. Afinal: “As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado”.

Durante grande parte de sua vida, Nelson recebeu a pecha e o apelido de “tarado” por causa de suas peças recheadas de adultérios e incestos. E assim era atacado pelo flanco esquerdo na política e pelo direito na área dos costumes, o tarado de suspensórios, amigo do general Garrastazu Médici, Presidente do Brasil no auge da Ditadura Militar. Enfim ele era um repositório, complexo e contraditório de todos os rótulos que lhe pudessem cravar.

Entretanto, Nelson Rodrigues, diferentemente de suas posições conservadoras e “reacionárias”, e possivelmente mais próximas a própria “imoralidade” desfilada em suas peças, ele conduzia a vida de maneira a estar sempre nos conformes do compêndio da moral e dos bons costumes, claro, em termos rodriguianos. De qualquer forma, longe do que se podia imaginar de um tarado. Nelson foi casado duas vezes, e teve alguns casos extraconjugais. E ao mesmo tempo que marcava encontros vespertinos com amantes, adulava com flores e bombons para Amélia, sua segunda esposa. Enquanto isso, o “tarado” declarava acreditar no amor eterno e lamentava a banalização da nudez pelo uso de um biquíni. Outra das contradições rodrigueanas. Nada óbvio nem ululante.

Conforme coloquei acima, falar de Nelson Rodrigues com olhos, ouvidos e demais sentidos, deste incômodo, perverso e inverso Século 21, especialmente depois de 2018, quando à exemplo dos chamados “Anos de Chumbo”, a palavra “Liberdade” se tornaou novamente perigosa, é difícil. Então temos que novamente contextualizar, lembrar que falamos da moral, costumes e política de mais de cinquenta anos atrás. E aí entra a história, que esquerdóides adoram: Nelson abominava a ditadura comunista da então União Soviética e de Cuba, ao mesmo tempo que apoiava a ditadura no Brasil, aproximando-se de maneira até pessoal dos militares, sendo famoso o episódio em que ele volta de uma partida de futebol a que foi assistir em São Paulo no avião particular do general Médici, questiona o general sobre a existência de tortura no Brasil, ouve dele um “dou-lhe a minha palavra de honra que não se tortura”.

Mas foi justamente a tortura, que abalou sua grande certeza política: após um período de militância no grupo revolucionário MR-8, seu filho Nelsinho caiu nas mãos da polícia. Ao encontrá-lo pela primeira vez após a prisão, o pai quis saber se Nelsinho havia sido torturado: “Muito”, foi a resposta. Neste ponto de virada, o que se sobrepõe a qualquer convicção, surge o Nelson humanista, que passa a usar de sua proximidade aos militares para libertar jovens de esquerda que caíam prisioneiros do regime. Para ele, descobrir a tortura foi o ponto final de uma carreira de defesa do regime, que se igualou à versão comunista da ditadura no que ele mais combatia: a falta de liberdade. “Nelson Rodrigues foi reacionário apenas na medida em que não aceitou a submissão do indivíduo a qualquer regime totalitário”, escreve o estudioso Sábato Magaldi. “Quando a pessoa humana for revalorizada, também desse ponto de vista ele será julgado revolucionário.

Há muito o que falar de Nelson Rodrigues, sobre o “Reacionário“, o anti-comunista, e decerto humanista, que vai muito além dos rótulos e dos rasos debates inseridos para causar cisão, rescisão, secessão. Separar pais de filhos, amigos de amigos, irmãos de irmãos, na velha tática do dividir para conquistar, nestes tempos duros, parece estar surtindo o efeito desejado. E há tempos ensejado. Tramado nas cortes, dos onze togados. Que se acham delegados. Escolhidos por algum deus, que talvez se chame Soros, Ouroboros. Talvez Boulos, o sucessor do Grande Ditador. E apenas espero que livros como “O Reacionário – Memórias e Confissões” não sejam queimados num breve futuro. E seus leitores queimados vivos. Como manda a Santa Inquisição.

Ah, é claro, sobre o livro em questão, as crônicas nesse livro reunidas, vou usar a última frase do release divulgado: “não apenas retratam uma época, mas também desafiam convenções e celebram a fusão sublime entre jornalismo e literatura, estabelecendo-se como momentos essenciais do gênero crônica no Brasil. Experimente essa jornada pelo olhar único de Nelson Rodrigues sobre o mundo.” E quando se fala de mundo, pode ser o de 1968, 2018 ou 2168: o ser humano é, e sempre será um “anarquista conservador”, ou seja, um individualista, anti-comunista, por mais que qualquer artista ou teórico esquerdista, esquerdóide de fato, porque comunismo é doença. Então se reconheça, caro amigo ou amiga, anti ou socialista, que Nelson Rodrigues fala sobretudo a respeito do ser humano. Então leiam “O Reacionário” , como se fosse, não uma Bíblia, que traz conselhos falhos sobre como deveria ser qualquer coisa, mas sobre como você, eu, nós, somos: Afinal, somos todos Reacionários! Mesmo aqueles que se dizem e se acham Revolucionários, com seus pobres vocabulários retirados do rabo sujo de Karl Marx. A maioria desses tais, que se elogiam como “Progressistas”, termo muito equivocado, na verdade são mais reacionários do que os nelsonsrodrigues da vida, porque no fim das contas querem conservados determinados valores que lhes interessam e revestem de progressismo modos de agir e pensar apenas para se enquadrarem nos moldes do marquetingue moderno, e assim se olharem no espelho e dizerem aos seus reflexos: “olhe como sou um sujeito legal, à frente da modernidade!” Esse ser abjeto é tão objeto manipulado que como bem frisou o Nelson, “O não reacionário é o comunista que não tem liberdade nem para fazer greve.”

Foto: Gazeta do Povo

O título desta crônica, que teria a função jornalística de ser uma resenha sobre “O Reacionário…”, faz menção á uma música, escrita por Marcelo Nova e gravada pela banda Camisa de Vênus, no disco “Agulha no Palheiro”, de 2021. Posso estar totalmente equivocado na minha análise, mas desde que escutei essa música pela primeira vez, ela me remeteu aos conceitos e pensamentos de Nelson Rodrigues. Seria Marcelo Nova leitor e admirador da obra rodrigueana? Baseado na letra de “Anarquista Conserrvador” eu arriscaria o palpite de que sim. Quer um exemplo? “Os fracos herdaram a terra / Não me resta outro caminho.” Me remete diretamente à frase de Nelson que fala sobre os idiotas tomarem conta do mundo por serem a maioria. Por fim “Não tente me decifrar / Ora faça-me o favor / Sou o seu paradoxo / O anarquista conservador”, decerto são versos que , acaso hoje vivesse e fosse cantor de Rock o “Anjo Pornográfico” escreveria. Ou ao menos ouviria.

Tratando por fim dos contextos de épocas: se nas décadas de 1960/70, com o Brasil vivendo debaixo de uma rígida Ditadura Militar, com Nelson fazendo coro ao Generalato no poder como um fiel anti-comunista, podia ocupar tranquilamente mesas em jornais como O Globo, dar entrevistas tranquilamente e não ser perseguido, pergunto, como seria sua vida nessa terceira década do século vinte e um, quando há seguramente uma Ditadura de Esquerda no poder? Decerto seria um inferno. Talvez tivesse perdido seu emprego, certamente seria “Cancelado na Internet”, ou estaria preso. Em última instância, teria mudado de lado, como de fato acabou acontecendo depois que o Filho foi preso. Ser um Reacionário não é nada fácil nestes dias, em que o pensar diferente do Estabilishment é sinal de perigo.

Ah, é claro, quanto ao livro, afinal o objetivo era uma resenha: “O Reacionário – Memórias e Confissões, de Nelson Rodrigues, é um calhamaço de 640 páginas e 130 crônicas escritas entre 1967 e 74, definidas no prefácio de Carlos Heitor Cony como “O Paraíso Perdido de Nelson Rodrigues”. Apenas leiam!

Nota: Em partes deste texto usei pequenos trechos do artigo assinado como “Da Redação” de Exame. Agradeço e endosso o estagiário.

O Reacionário – Memórias e Confissões
Nelson Rodrigues
Editora Nova Fronteira
2017
640 Páginas
15.5 x 23 x 3 cm
Comprar: (Amazon)

O Anarquista Conservador
Camisa de Vênus

Meu charme é irrecusável
E eu danço divinamente
Sua a risada tão irritante
Suas pernas tão atraentes
Vou lhe conduzir por salões
Que você não imaginou
Irei lhe devolver em dobro
O que você nunca emprestou

Essa frescura de novo normal
Que você chama diversidade
Será por ignorância
Ou simplesmente ingenuidade

Tudo que sempre existiu
Continua como sempre foi
Olhe nas tetas da vaca
E veja o membro do boi

Não tente me decifrar
Ora faça-me o favor
Sou o seu paradoxo
O anarquista conservador

O homem busca a sua coragem
No dinheiro e no bourbon
A mulher sempre a encontra
No salto alto e no batom

Pois amor é o nome dado
Para a carência e apatia
É o medo de ir dormir
Sem nenhuma companhia

Se me deparo com a tradição
Faço questão de reverenciar
Mas logo perco o interesse
Então só quero esculhambar

Essa deve ser a trilha
Por onde seguirei sozinho
Os fracos herdaram a terra
Não me resta outro caminho

Não tente me decifrar
Ora faça-me o favor
Eu sou o seu paradoxo
Um anarquista conservador

Chorar, ajoelhar, rezar
Nada disso é preciso
É melhor reinar no inferno
Do que servir no paraíso

Falar que luta pela paz
É a mais pura imbecilidade
É como dizer que quer foder
Em busca da virgindade

O anjo do perdão
Perdeu as botas e as asas
Nossa cova com certeza
Será pra lá de cova rasa
Mas eu já sobrevivi
A duzentos funerais
Caindo de cima das torres
E dando saltos mortais

Não tente me decifrar
Ora, faça-me o favor
Eu sou o seu paradoxo
O anarquista conservador

Não, não
Não tente me decifrar
Ora, faça-me o favor
Eu sou o seu paradoxo
O anarquista conservador

Barata Cichetto, 1958, Araraquara – SP, é poeta, escritor. Criador e editor do Agulha.xyz, e Livre Pensador.

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Eduardo Schloesser
03/05/2024 18:54

Excelente texto, poeta, excelente! Gosto demais do Nelson (que acho genial) e nada tenho a ver com o Nova (que acho…..bem, não acho nada).

Barata Cichetto
Administrador
Responder a  Eduardo Schloesser
03/05/2024 21:43

Eduardo, meu amigo, eu também não acho, por isso estou sempre perdido… Rsrsrsrsrsrsrsrs. Obrigado pelo comentário!

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