Agulhadas | Do Outro Lado do Inferno

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Barata Cichetto

Eu tenho creio que duas mil poesias escritas. E todas elas foram proscritas. Antes mesmo de nascerem. E morrerem de aborto espontâneo. Instantâneo. Elas jamais foram descritas. Foram logo consideradas malditas. Entre os malditos. Há cinquenta anos escrevo. E a ninguém devo. Feito um servo. Um centavo. Feito escravo. A filhodaputa nenhum. Filho algum. Pai algum. Desgraçado nenhum. Pela minha laboriosa. Indecorosa. Insidiosa. Canção. Que é minha libertação. Da prostituição E da internação. No manicômio. De Franco da Rocha. Que a da Rocha. Quis me trancar. Arrancando a força bruta. Como boa filhadaputa. A poesia que eu tinha. E que mantinha. Livre de proteção. Com a pretensão. De curar minha doença. Com uma sentença. De prisão. Então sem poesia virei pai e marido. Menos querido Que um ai. E de depois de ter sofrido. Com traição. Subtração. Extração. Saí por aí feito um idiota. Devendo a agiota. Dando cambalhota. Para não cair no buraco. E virar um caco. Eu tenho um monte de poemas. E um caminhão de problemas. Que acabam virando temas. Com rimas e sem métrica. Da minha poesia tétrica. Cadavérica. Homérica. Que somente o Capitão América. Poderá nos libertar. Apertar. O botão da bomba agá. Que melhor não há. E penso no Rock. Que é coisa de velho. Coisa ultrapassada. Sabe o que mais ouço? “Esse negócio de site está ultrapassado…” Blablabla. Sou aquele que ainda acredita. Na palavra escrita. Enquanto ela ainda for dita. Por quem ainda tem o que dizer. Escrever. E ver as coisas puras. Duras. Como forma de aprender. A sobreviver. E a ver. As agruras. Das estruturas. Puras. Que querem apenas nos foder. Pelo poder. Hoje respiro. Os que ainda sobram. E não me cobram. São pregadores no deserto! E decerto. Pelo incerto. Enquanto houver areia para escutar. Vamos gritar. E enquanto eu vivo estiver. Vou para o der. E vier. Repito isso como mantra. Todo dia. Porque depois dos sessenta o que vier é lucro. E como burro chucro. Vou até onde tiver um paredão. Talvez de fuzilamento. Porque no paredão do esquecimento. Já fui fuzilado. Como um soldado. Que agiu errado. Com o Capitão. E não sou de ferro. E sempre erro. Minha previsão. Não porque deu na televisão. Mas porque minha visão. Não enxerga além da curva. E com forte chuva. Embaça a vidraça. E assim desaba o temporal da desgraça. Imoral e sem graça. Que torna imortal. Aquilo que tinha que ser fatal. Me perco nas palavras. E sempre transformo minhas lavras. Em contos de fadas. E pontos de safadas. E não encontro no dicionário. A palavra que rime. A não ser com o crime. Que contra mim praticaram. E me mataram. Antes de eu morrer. E deixaram escorrer. Meu sangue sem gosto. Que era o oposto. De me deixar sofrer. Me chamaram reacionário. Xingaram de mercenário. E assim fizeram do meu bestiário. Uma ode escatológica. Sem nenhuma lógica. E um tanto morfológica. Zoológica. De me manter. Ao largo do enorme crime que cometi. E que prometi. Não mais reviver. Quero agora apenas sobreviver. A minha própria desistência. E agir como resistência. Ao meu próprio viver. Temos que trabalhar com o que temos. E acreditar no que não vemos. Assim vamos chutando garrafas. Tentando acertar as cabeças das girafas. E apenas termino falando. Enquanto vou andando. Que não morro antes. De ver a Justiça. Hoje castiça. Se libertar. Das mãos do Carniça. E da corja castiça. De nojentos grudentos. Putos lazarentos. Que não nos deixam ser humanos. Que pensam serem deuses romanos. Mas são apenas pedaços de bosta. Na encosta. Pedaços de merda. De quem herda. E termino dizendo aos meus herdeiros. Taifeiros do monte de estrume. Que por costume. Me jogaram no aterro sanitário. Que sou bem mais que um otário. Sou um revolucionário. Acima daquilo que dizem revolução. Porque pago meu próprio salário. E sou o carteiro. Que entrega a mim mesmo a intimação. E o leiloeiro. Da minha própria alma. Porteiro de um hotel sem porta. E por fim o derradeiro. Coveiro. Da minha própria sepultura. Que a essa altura. Tem a estatura. De um anão. Por que não? Alguém sabe o que é ter. Uma agulha enfiada na unha? Ou uma fagulha. Queimando sua carne. Fritando sua epiderme. Se esgueirando feito verme. Pelas suas entranhas. Criaturas estranhas. Cheias de artimanhas. Que com suas manhas. E suas banhas. Engordam a porca. Filha de Lorca. Na Doca. Do Boulervard. E eu. Apenas eu. E nenhum filisteu. Que se corrompeu. Ao crime de Estado. Que tem estado. Num estado. Que é fruto do contestado. E assina atestado. De estupidez. Recordo Zappa. Que de mim não escapa. Por baixo da capa. E me diz. Aquilo que condiz. Com o aprendiz. Que diz: “Se quer trepar vá a faculdade. Mas se quer aprender algo vá à biblioteca”. Acabo assim. Ai de mim. Ouvindo “Billy a Montanha”. E brigando com a aranha. Na teia dessa rede mundial. Antissocial. Como um ser abissal. Alguém me passa o sal?

22/04/2024

Barata Cichetto, 1958, Araraquara – SP, é poeta, escritor. Criador e editor do Agulha.xyz, e Livre Pensador.

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Olavo Villa Couto
Olavo Villa Couto
28/04/2024 23:11

Sabemos bem de que lado fica o Inferno: o Esquerdo!

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